domingo, 10 de abril de 2016

desgosto

teu nome jamais será dito
de novo

ainda que o fogo lacere
esta boca

ainda que caiam as portas
da casa

ainda que escorra o pó
de meu rosto

ainda que eu deite no poço
de costas

ainda que o vento arraste
meu curso

teu nome de novo jamais
será posto.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

há drones, Diego

há drones brilhando
no céu do tablado,
cantando altivos
os sons do espaço

há drones imensos

girando assustados
nas caves profundas
de teu corpo alado

há drones que dançam

matemáticos passos
mas guardas, fechado,
vinte anos no quarto.

Elevenplay e Rhizomatiks (2014)


quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

desculpe, foi engano

esses que hoje me leem e se exibem e me acham foda e culto são os mesmos cults ignorantes que passaram a meu lado sem sorrir. os grandes sempre me viram como mais um. um a mais, mas sem graça. no máximo ofertaram seu querer bem, mas só porque me cultivei, me fiz amável. andei todas essas ruas como um rapaz magro e estranho. ora fui visto pela mancha da herpes ou olhos inchados, ora me fiz ver pelos óculos grossos, cabelos armados. mas fui um cara qualquer. cazuza pobre. guimarães estivador. clarice negra. fui moreno, quiçá-fosse-negro, fui bicha, fui pobre. tímido retinto. muitos amigos de telefone-sem-fio. poucos amigos de telefone. esses que hoje me leem e gargalham minha dor, arrotam meus versos, engasgam no meu cuspe, esses liam Leminsky, liam Miró, liam tudo nem muito pop nem desconhecido que fosse devido ler. e eu recitando poemas de banheiro, me masturbando atrás das portas nos banheiros, sonhando as portas escancaradas, os lábios em meu mastro, mas apenas portas fechadas de banheiros vazios. li Clarice aos 16, Rosa aos 22, Calvino nunca li. devorando desde jovem revistas de verdades inúteis e filmes free blood. hoje se me leem é porque meu ódio foi encarcerado em papel. minha visão que sorvia plenitudes que queria ser global Deus hoje vê centenas de grãos amalgamados de terra. é terra e húmus e portanto nada, porque areia só vale quando constrói frutas ou paredes. esses que hoje me leem não me entendem e acham legal se digo "pústula" e é minha mãe, meu amor, minha única e imensa mãe, e me leem rápido, procurando seus amores, e me postam, curtem e todos são fodas porque me leem e eu os entendo. mas não entendo nada, estou só puto de leitores. puto de dedos revirando minhas páginas à procura de versos. esbanjei poesia na massa branca de minha porra. toda ela escorrida no ralo alimentando esgotos na cidade. e se escrevo, essa outra punheta, é só pra não me esquecer que desejei teu filho naquela camisa laranja lindo sobre as árvores e sua face angélica assustada com o flash. escrevo pra lembrar que odiei te rever naquele bar tão redonda e mesquinha, bitucando minha bochecha com menos ardor que a de seus cães. escrevo porque contive o tapa antes de rasgar minha mão em teu rosto de faca. escrevo porque dissestes que desejava homens másculos e meu membro saltava na dor pra te emascular. escrevo porque tantas vezes já expliquei porque escrevo que não me lembro do que disse e digito nesse teclado branco como se voltar a me explicar pudesse presentificar o que não entendo de mim. o porquê escrevo se nenhum tostão me vem e tu não me entendes e quem hoje me lê precisava estar trucidado pra se consertar esse mundo.


Head I, Francis Bacon, 1948

domingo, 8 de março de 2015

caleidoscópica [pelos 24]

I. som (presente)
nomeada Daniel há 24 anos,
tenho pênis, mas me afirmo ela,
pele parda, mas me afirmo negra,
dialética, mas me afirmo esquerda,

desejo além, mas me afirmo gay,
transnordestina, mas grito latina,
desacredito, mas me afirmo ateia,
tive três homens, mas sou a vadia.

II. sebo (passado)
com três vultos dispersos
à noite me deitei
foram Marcos e Cláudio,
mas a ti, Glauco, eu dei.

por amor,
eu dei

era fraca por homens,
por firulas e torres,
mas, beata, da pira,
as chamas eu selei

por amor,
eu selei.

III. só (poética)
eu já soube cantar
dos pés, cá, o ócio,

hoje aliso cristais
cravados de córneos,
quimeras, califas
até quintais insólitos,

pois é ferida de fossa
que, febril, eu biloro.

IV. sã (futuro)
na calada do colo
caleidoscópica lei
é copiada do ópio:
não sei quem sou
o sol? ou o solo?


segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

confissão

hoje teremos almoço em Gomorra
ligo ventiladores em slowbeat
para esfriar o sabor das fezes

Banquete é carne, queijo e molho

estou na noite de Gomorra
meu milkshake reúne jovens
sob os alpendres de meu jardim

Há política no colo quebrado da lua

para mim o inferno em Gomorra
é um engarrafamento vertical
o tempo correndo nos carros parados

Aqui não há ruas de escape

Sodoma e Gomorra, Alessandro Bavari

paga

o deus de fogo, terra e água
aquietara.

mas havendo em Recife
arrefeceu.

insuflou a mancebia
e sem ares de agonia
dissolveu.

Recife "Hellcife", Max Levay

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

r

apaz
implodiu o meu coração

como as veias de um leão
como o canto dos temporais
como o colo da oração
como a partida de meu pai.

eu corri de mim
e achei-me ao fim
estampado em um mural.

escrevi ao pó,
recolhi anzois
que brilhavam a cor do vão,

do não.

Petrified Veins, de Evans, 1955